"Que te devolvam a alma homem do nosso tempo. Pede isso a Deus ou às coisas que acreditas: à terra, às águas, à noite desmedida. Uiva se quiseres, ao teu próprio ventre se é ele quem comanda a tua vida, não importa... Pede à mulher, àquela que foi noiva, à que se fez amiga. Abre a tua boca, ulula, pede à chuva. Ruge como se tivesses no peito uma enorme ferida, escancara a tua boca, regouga: A ALMA. A ALMA DE VOLTA." (Hilda Hilst)



29/11/2010

A Mulher, a Consciência Lunar e a Coniunctio


Uma mulher caminha nua pelo quarto
é lenta como a luz daquela estrela
é tão secreta uma mulher
que ao vê-la nua no quarto
pouco se sabe dela
a cor da pele, dos pêlos, o cabelo
o modo de pisar, algumas marcas
a curva arredondada de suas ancas
a parte onde a carne é mais branca
uma mulher é feita de mistérios
tudo se esconde:
os sonhos, as axilas,
a vagina
ela envelhece e esconde uma menina
que permanece onde ela está agora
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O homem que descobre uma mulher
será sempre o primeiro a ver a aurora.
(Bruna Lombardi)
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Ela é uma mulher que goza
celestial sublime
isso a torna perigosa
e você não pode nada contra o crime

dela ser uma mulher que goza
você pode persegui-la, ameaçá-la
tachá-la, matá-la se quiser
retalhar seu corpo, deixá-lo exposto
pra servir de exemplo.
É inútil. Ela agora pode resistir
ao mais feroz dos tempos à ira, ao pior julgamento
repara, ela renasce e brota
nova rosa
Atravessou a história
foi queimada viva, acusada
desceu ao fundo dos infernos

e já não teme nada
retorna inteira,
maior, mais larga
absolutamente poderosa.
(Bruna Lombardi)
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"Nos rituais e nos cultos, a espera e a expectativa são idênticas ao ato de circundar e a circum-ambulação. (…). De maneira semelhante, nos mistérios primordiais da mulher, ou seja, no processo de ferver, cozer, fermentar, assar, o amadurecimento, “o ponto”, e a transformação estão sempre ligados com um período de espera. O ego da consciência matriarcal costuma permanecer quieto até que o tempo seja favorável, até que o processo esteja completo, até que o fruto da arvore lunar tenha amadurecimento e ficado como uma lua cheia, isto é, até que a compreensão tenha nascido do inconsciente. Porque a lua não é somente senhora do nascimento, mas também, enquanto arvore lunar e arvore da vida, um crescimento em si, “o fruto que gera a si mesmo”.
(…)
Mas esse simbolismo feminino não para aqui, porque o que entrou tem que “vir a luz”. A frase “vir à luz” expressa maravilhosamente o duplo aspecto da consciência matriarcal, que experimenta a luz da consciência como a semente que brotou.
__________________________ _______________________________________________
O tempo qualitativo matriarcal é sempre uma ocorrência única e singular, como uma gravidez, em contraste com o tempo quantitativo da consciência patriarcal. Porque, para a consciência patriarcal de ego, todas as subdivisões do tempo são iguais; mas a consciência matriarcal aprendeu, a partir do ritmo do tempo lunar, a conhecer a individualidade do tempo cósmico, senão a do ego. A singularidade e a indestrutibilidade do tempo são consteladas aos olhos daqueles preparados para perceber o crescimento das coisas vivas, capazes de experimentar e de perceber a gravidez de um momento e a proximidade de um nascimento. (…).
Em conseqüência, a linguagem do simbolismo situaria, como regra, a consciência matriarcal não na cabeça mas no coração. Aqui, entendimento significa também um ato de sentimento inclusivo e freqüentemente esse ato – como, por exemplo no trabalho criativo – tem que ser acompanhado da mais intensa participação afetiva, se é algo que deve sobressair-se e lançar luz. (...)
_________________________________________________________
Não é sob os raios causticantes do sol mas na fria luz refletida da lua, quando a escuridão da inconsciência atinge sua plenitude, que o processo criativo se completa: a noite, e não o dia, é que é o momento da procriação. Esta requer escuridão e quietude, segredo, mudez e ocultamento. Em conseqüência, a lua é senhora da vida e do crescimento em oposição ao sol letal e devorador. O tempo úmido da noite é o tempo do sono, mas também da cura e de recuperação. (…). É o poder regenerador do inconsciente que na escuridão noturna sob a luz da lua executa seu trabalho, um mysterium dentro de um mysterium, trabalhando a partir de si mesmo e da natureza, sem qualquer ajuda do ego cerebral. É por isso que as pílulas e as ervas curativas são associadas à lua e seus segredos guardados por mulheres, ou melhor, pela natureza feminina, que está ligada à lua.
(...)
Tanto para o masculino como para o feminino, a totalidade só é atingível quando, numa união dos opostos, o dia e a noite, o mais alto e o mais baixo, as consciências patriarcal e matriarcal, chegam ao seu próprio modo de produtividade e mutuamente se complementam, fertilizando um ao outro.” (E. Neumann – “A Lua e a Consciência Matriarcal”)

28/11/2010

Uma abordagem circular do conhecimento na formação do arteterapeuta - momentos especiais vivenciados na Pós em Arteterapia da UNIP/2010!


“Educar não será reprimir, mas ao contrário exprimir, liberar. Também não é imprimir, mas ao contrário, fazer brotar, fazer emergir... Menos ainda seria formar, impondo uma forma; ao contrário, seria desentranhar do mais fundo do ser a sua própria forma. Com efeito, o verbo educar vem do latim educere, e significa tirar fora, levar fora, extrair, desentranhar. Educar o homem significa portanto desentranhar a forma humana de dentro do prórpio homem, extraindo e revelando a sua própria e íntima essência.” (Ysé Tardan-Masquelier


UMA ABORDAGEM CIRCULAR DO CONHECIMENTO NA FORMAÇÃO DO ARTETERAPEUTA
(poster feito a 3 mãos: eu, Lídia e Oneide, sobre a proposta da Pós em Arteterapia da UNIP, que ganhou um prêmio no Congresso Brasileiro de Arteterapia que aconteceu na UNIP em 10/2010)

A interação com os aspectos simbólicos relacionados aos 4 elementos e às 4 funções da consciência: Pensamento, Sentimento, Intuição, Sensação, através de atividades expressivas, realizadas no contexto pedagógico, promove o crescimento global do aluno, bem como uma aprendizagem significativa.
Tendo isso em vista, numa Pós-graduação em Arteterapia, é imprescindível que as disciplinas ministradas possam contemplar os vários aspectos do ser humano, buscando-se um equilíbrio entre essas 4 funções em sua Proposta Pedagógica, instaurando-se um diálogo interdisciplinar que não perde de vista o ser humano em sua integralidade e singularidade.
Com isso, ao final do curso (incluindo a prática supervisionada), espera-se que o aluno possa sintetizar o que foi vivenciado, aplicado e aprendido em sua produção científica, integrando teoria e prática numa atuação que envolva tanto uma visão ampla e aprofundada dos recursos que poderá utilizar em seu trabalho quanto condições de aplicá-los com ética e preparo emocional para tal (sendo essa a nossa proposta e prática na Pós-graduação em Arteterapia e em Arteterapia Aplicada da UNIP).
Do ponto de vista da Psicologia Simbólica junguiana, psique e mundo são instâncias indissociáveis: a nossa psique é a via de acesso a todo conhecimento. Como a consciência nasce do substrato inconsciente que está na base da realidade contextualizada, não pode ser desconectada do tecido coletivo que lhe deu origem, pois é nele que está enraizada, extraindo dessa dimensão o alimento, em forma de energia psíquica veiculada pelos símbolos, para constituir-se e expandir-se.
Por isso, os conteúdos teóricos abordados na formação do arteterapeuta podem e devem ter o seu potencial simbólico resgatado, conjugando razão e emoção, teoria e prática, na criação de um conhecimento integrado ao autoconhecimento, útil e compromissado com a vida.
O conhecimento que inclui em sua perspectiva a dimensão simbólica da existência e abarca sua multiplicidade, ganha ao mesmo tempo densidade e leveza, clareza e mistério, simplicidade e complexidade, e acima de tudo vida, sensualidade, profundidade, sabor, perfume e cor, consistindo-se numa revelação da sabedoria da psique.
Quando compreendemos que somos parte de um grande tecido cósmico, podemos participar com consciência e ética da sua confecção, colocando assim a Arte a serviço da Vida, o que se traduz na prática da Arteterapia...
“Isto se ensina? Não. Se em-sina... Com o testemunho autêntico de nossa presença humana, ajudando o outro a colocar-se em sua própria sina, a cumprir a sua própria destinação...
Mistério? Sim. Isso não se esclarece... se profundiza.”
(Marcos Ferreira Santos)

25/11/2010

A teia da aranha (e a Dimensão dos Sonhos)


A teia de aranha tem um significado muito especial para mim, já que as aranhas estão simbolicamente relacionadas à criatividade e às histórias, que sempre estiveram presentes em minha vida... E não é que no outro dia, ao entrar no meu carro de manhã para ir ao consultório, me deparo com uma teia de aranha (com a aranha em seu centro) confeccionada provavelmente na penumbra da noite, belamente tecida como uma mandala (dá para ver bem a sua teia na foto acima)!!! Eu ia dirigindo (pois só vi a aranha depois que já estava com o carro andando), com a teia bem ao meu lado, perto do câmbio de marchas, e conversando com a aranha:
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-Querida aranha, a sua teia é linda, e você sabe que admiro as aranhas por isso, pelo seu belo trabalho e pelo que ele simboliza: a "teia da vida" e de nossas relações... mas por favor, fique aí, não pule em mim, e me perdoe porque eu vou precisar tirar você e a sua teia do meu carro quando eu chegar ao consultório!
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(E é claro que antes de retirar a aranha, me desculpando por desmanchar a sua primorosa teia, eu a fotografei - por sorte eu estava com a máquina em minha bolsa, pois era dia de curso e eu sempre levo a máquina para tirar fotos dos trabalhos dos alunos).

Imaginem a cena!!! Se meu filho estivesse no carro, ele diria (como tantas vezes o fez diante de situações assim, quando eu converso com plantas e até quando chego a pedir desculpas a uma porta por batê-la muito forte sem querer): "Mãe, conversando com uma aranha? De que mundo você é?!?"
Mas ao mesmo tempo, que bênção ter esse olhar para o mundo, e saborear momentos como esse: uma aranha fez umna teia em meu carro, uma mandala viva cheia de significados, a Natureza dialogando comigo! Me senti honrada por isso...

Tem um conto africano que diz que foi uma aranha que trouxe o baú de hostórias do céu para a terra, compartilhando essas histórias com os homens... O nome dessa aranha (que no conto é do sexo masculino) é Anansi, que foi escolhido por Deus para receber esse baú depois de fazer o que Deus lhe ordenau, tarefas consideradas impossíveis de serem realizadas (como as 4 tarefas no conto Eros e Psiqué), mas que foram cumpridas com a ajuda da aranha esposa de Anansi, pois era ela - a sabedoria do Feminino - quem lhe inspirava sobre como deveria proceder para conseguir realizá-las (na versão do livro ao lado também são 4 tarefas). Em algumas versões, ele vivia como um humano antes de se transformar em aranha. As tarefas pedidas também variam nas várias versões.
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Segundo Sams (Cartas Xamânicas), foi a aranha quem trouxe as letras e com elas formou o alfabeto, para que os homens pudessem escrever as suas histórias. Encontramos ainda nas culturas indígenas a idéia do filtro dos sonhos, inspirado nas teias das aranhas, mandala de cura e que nos coloca em contato com a "Dimensão dos Sonhos", onde dormitam as possibilidades ainda não trazidas para a realidade...

A teia de aranha relaciona-se tembém, pois todo símbolo tem a sua face e dorso, às ilusões com as quais revestimos a realidade enquanto não somos capazes de enxergá-la para além do visível (o que é um dom dos visionários). Por isso a deusa hindu Maya tece véus que a encobrem, para que aguentemos olhar para ela sem nos despedaçarmos pela visão de sua magnitude. Mas ao mesmo tempo, é uma deusa ligada ao Feminino e à matéria: a mulher tece em seu útero as vestes que revestirá, em forma de um corpo, a alma de um novo ser!
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Como coloco no meu livro II: Mitologia Indígena e Arteterapia, "a atividade de tecer é em várias culturas um atributo do feminino, relacionando-se com a criação, com o nosso destino, com as histórias que vivenciamos ao longo de nossas vidas (...) De acordo com Chevalier e Gheerbrant (1993), na África do Norte (...) 'o trabalho de tecelagem é um trabalho de criação, um parto. Quando o tecido está pronto o tecelão corta os fios que o prendem ao tear, e ao fazê-lo, pronuncia a fórmula de bênção que diz a parteira ao cortar o cordão umbilical do recém-nascido. Tudo se passa como se a tecelagem traduzisse em linguagem simples uma anatomina misteriosa do homem.'"
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Na mitologia grega, temos as Moîras (tecelãs do destino), e Aracne, transformada em aranha por Atená ao desrespeitar os deuses em um de seus bordados numa competição que insistiu em ter com Atená: o seu bordado tinha uma técnica impecável, mas faltava-lhe a humildade, sem a qual nenhum conhecimento pode transfromar-se em sabedoria, faltava-lhe reconhecer que é o divino em nós que nos faz criar, e saber honrar isso (Jung dia que a criação é um grande mistério, e que os mistérios não se explicam), é através de nossa humilde (a palavra humildade vem de húmus, que é matéria orgânica depositada no solo) humanidade que podemos nos colocar a serviço dos deuses, trazendo um pouco mais de luz, assim, ao mundo através das nossas ações, das nossas criações... Aliás, foi Atená quem ensinou aos homens a arte de bordar.
Encontramos também na mitologia grega o fio de Ariadne, que com ele permitiu que Teseu entrasse e saísse do labirinto (onde estava o minotauro) sem se perder, e o manto tecido de dia e desfeito de noite por Penélope, enquanto esperava pela volta de Ulisses...
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Uma história sobre mulheres tecelãs que merece ser contada aqui com mais detalhes, em outra oportunidade, é a de Sherazade, que tecia com palavras, através de suas histórias, a teia de sua relação com o sultão, curando-o da ferida aberta pela traição através de seu amor e de seus contos...
Segundo Adélia Bezerra de Meneses, que faz uma profunda e sensível análise dessa história, "Sherazade oferece ao sultão uma linguagem, um discurso simbólico que possa atingi-lo, por inteiriçado e crispado que ele estivesse na sua incapacidade afetiva. Ela oferece ao sultão o acesso ao mundo simbólico; oferta-lhe uma linguagem, como queria Lévi-Strauss, "na qual podem exprimir-se estados não formulados e, de outro modo, não formuláveis". "Não é portentoso que na noite 602, o rei Xariar ouça da boca da rainha a sua própria história?", pergunta-se Jorge Luís Borges extasiado.
Sherazade apresenta a Xariar o nível mítico: apresenta-lhe à consciência conflitos que o traumatizaram, bloqueando sua capacidade afetiva, de tal maneira que ele possa lidar com eles. É por isso que ela não expurga de suas narrativas as histórias de adultérios e traições femininas, não omite casos em que as mulheres enganam a seus maridos; ela não faz ao rei uma narrativa "ad usum delphini"; é notável a ausência de censura moral nas suas histórias.
Trata-se aqui, como na psicanálise, (e na cura chamanística), de propiciar uma transformação interior, consistindo numa reorganização estrutural da personalidade: trata-se de recuperar a capacidade amorosa do sultão. Pois bem, Sheherazade, como na transferência, propicia ao sultão que reviva com ela uma experiência afetiva continuada e para isso ela precisava de tempo (a saber: 1001 noites -o tempo de uma terapia?) e assim resgata sua capacidade afetiva (...) Não nos podemos esquecer de que as narrativas de Sheherazade se seguiam às suas noites de amor com o sultão e são suas histórias que lhe facultam a possibilidade de dormir próxima noite com ele. É a narrativa que possibilita o encontro futuro. Já se disse que se Sheherazade tivesse oferecido ao sultão só o seu corpo, ela teria sido executa­da, logo após a primeira noite: foi o que, todas as suas antecessoras fizeram, e todas pereceram. E Sheherazade salva não apenas a si própria e a todas as mulheres em idade de casar do seu povo: ela salva também o sultão: ela o cura de sua ira patológica e assassina, e possibilita a ele uma descendência. A persistir no seu plano cruel e ginecida, o sultão se privaria para sempre de amar, e de filhos. Sheherazade oferece a ele o tempo e, junto com as suas histórias, a História; oferece a ele o tempo, e, junto com ele, as coisas todas que dele precisam para se engendrarem: os filhos, a duração do afeto, a permanência de vínculos, o longo processo (analítico) de uma cura. Sheherazade oferece ao sultão um discurso vivo.
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Resta ainda lembrar do filme "A colcha de retalhos" (quem ainda não assistiu, assista!), em que um grupo de mulheres faz uma colcha de retalhos para a neta de uma delas, que vai se casar, inspirando-se no tema: "Onde mora o amor", e ao fazê-la, cada uma dessas mulheres vai contando a sua história de vida para essa neta, que está ao mesmo tempo recolhendo essas histórias para a sua dissertação de mestrado, sobre o tema: "quando mulheres se reúnem para fazer um trabalho manual, isso é uma espécie de ritual" - e é claro que nesse processo de criação, essas mulheres vão revendo as suas vidas, passando por um processo de transformação!
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Esse filme nos remete a um conto tibetano: "O Quadro de Pano", do qual fiz a interpretação simbólica na minha dissertação de mestrado, para trabalhar a compreensão do processo criativo, e que está no meu quinto livro (A Alquimia nos contos e mitos e a Arteterapia), quando falo da multiplicatio na alquimia, que consiste no efeito reverberante e multiplicador da pedra filosofal (como o milagre da multiplicação dos peixes), mostrando que a vivência de processos criadores, além de nos transformar, se estende para o mundo através de todas as nossas relações, transformando-o também. Nesse conto, uma vivúva tece um quadro em que representa a sua aldeia como gostaria que ela fosse (bela e próspera), e ao final de muitas aventuras, com a ajuda das fadas, toda a aldeia se transforma no quadro tecido pela viúva... Uma versão infantil desse conto está no livro: O Bordado Encantado. _

Sendo assim, com tanta beleza contida no simbolismo da teia da aranha tecelã, em tantas esferas diferentes, como eu poderia deixar de me encantar e de me sentir grata ao Universo por um encontro tão especial, como esse encontro vivido com uma aranha que fez inusitadamente a sua teia em meu carro, durante a noite? A viúva do conto O Quadro de Pano também teceu todo o seu quadro à noite, à luz de uma tocha...
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Se a foto acima se referir mesmo ao Universo, não é impressionante a semelhança entre essa teia e a da aranha no meu carro (bem como a de todas as aranhas que tecem com fios de luz a aurora de uma nova manhã)? Jung explica...

24/11/2010

Eros e Psiqué

Ai de nós, mulheres Psiqué, à espera do arrebatamento de Eros para que ele, com suas flechas, abra brechas por onde o encanto e o deleite se derramem sobre nossa vida cotidiana, e a faça bela...
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"Psiquê ... não está apta para um viver convencional. Parece que não foi feita para a mediocridade. Não lhe interessa um cotidiano enfadonho, insosso e doentio. Espera por outros desígnios... Psiquê é então um paradoxo: é especial e simples. ... Ao que parece isso é essencial em Psiquê: a necessidade de eleger o psíquico na vida comum e habitual" (López-Pedrosa, em seu livro: "Sobre Eros e Psiquê)
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O conto Eros e Psiqué, segundo versão de Junito Brandão, recontada no meu livro (Vol V da Coleção: A Prática da Arteterapia): A Alquimia nos Contos e Mitos e a Arteterapia (p. 116 a 119):
_"Num reino distante, um rei tinha três filhas. A mais nova, Psiqué, era tão linda que começou a ser considerada uma nova Afrodite, deusa grega do amor e da beleza, e a ser adorada como uma deusa. Diziam que Psiqué nasceu de uma gota de orvalho que caiu sobre a terra. Enquanto suas irmãs se casaram, Psiqué continuava solteira, sem pretendentes, sendo só idolatrada pelos homens, e sendo por isso alvo da preocupação de seus pais, que consultaram um oráculo que era dominado por Afrodite. Afrodite estava furiosa pelo fato dos homens estarem adorando Psiqué como se ela fosse uma nova Afrodite, e resolveu se vingar dela. Disse através do oráculo, aos pais de Psqué, que eles deveriam acorrentá-la a um penhasco para que ela desposasse a mais horrenda e repulsiva criatura, a Morte. E os pais assim o fizeram, por insistência da própria Psique, que decidiu se sacrificar pelo bem de todo o reino, já que era isso o que o oráculo prescreveu que deveria ser feito.
Para destruir Psiqué, Afrodite pede a ajuda de seu filho, Eros, o deus do amor, solicitando que ele faça com que Psiqué se apaixone pelo monstro que virá buscá-la, mas ao ver Psiqué, Eros acidentalmente espeta os dedos em uma de suas flechas, e se apaixona por ela. Eros decide então desposá-la e pede ao vento Zéfiro que a leve ao Vale do Paraíso. Lá Psiqué vive num palácio de pedras preciosas, todos os seus desejos são prontamente atendidos, e todas as noites ela recebe a visita de Eros, que se deita com ela. Mas Eros coloca a ela a condição de não vê-lo nem fazer-lhe perguntas.
As irmãs de Psiqué ouvem boatos sobre a vida da irmã, e movidas pela inveja chamam por ela e pedem que ela as receba. Psiqué consegue a permissão de Eros para ver suas irmãs, já que se sente muito sozinha em seu palácio, e as irmãs a convencem de que ela está casada com um monstro horrível, e que deve à noite apunhalá-lo para salvar sua vida. Munida então com um candeeiro e uma faca, Psiqué, convencida de que se casara com um monstro, vê a face de Eros ao acender a lâmpada, ficando tão encantada com a sua beleza que se inclina para beijá-lo. Nisso uma gota de óleo do candeeiro cai sobre Eros, ferindo-o e acordando-o, e Psiqué se fere acidentalmente em uma de suas flechas, apaixonando-se por ele. Eros sai de lá, dizendo a Psiqué que ela havia quebrado o acordo que tinham feito, ela o havia traído, e vai cuidar do seu ferimento junto de sua mãe, Afrodite.
Psiqué, apaixonada e desesperada, aconselhada por Pã, implora à Afrodite sua ajuda para reencontrar Eros. Afrodite aceita ajudá-la desde que realize uma tarefa: separar por espécie grãos e sementes que enchem um cômodo, em apenas uma noite. Psiqué, ajudada pelas formigas que andavam por lá e se compadeceram dela, realiza a tarefa, e Afrodite, não se conformando com o fato dela ter realizado o que nenhum mortal poderia ter feito em tão pouco tempo, lhe dita outra tarefa: trazer-lhe flocos de lã de carneiros do sol, que eram selvagens e ferozes. Mais uma vez, ajudada agora pelos sábios conselhos de juncos à beira de um rio, no qual pensa em se atirar para se matar (já que morreria de qualquer jeito se tentasse se aproximar dos carneiros ferozes), ela consegue colher os flocos de lã que ficaram presos em galhos de árvores, ao entardecer, quando os carneiros recolheram-se para descansar e dormir.
Não satisfeita Afrodite decreta-lhe a terceira tarefa: encher uma taça de cristal com a água do Estige, um rio que nasce no alto de uma montanha, desaparece sob o solo e reaparece na montanha. Mais uma vez Psique realiza a tarefa, dessa vez ajudada pela águia de Zeus, que voando enche a taça e a traz para Psiqué. Diante disso Afrodite dá ainda a Psiqué uma quarta tarefa, desconfiando que tenha sido ela a realizadora das outras três: ela deverá descer ao reino dos mortos e pegar com Perséfone, a rainha do Hades, uma caixa que conteria a beleza imortal, trazendo-a para Afrodite. Dessa vez ela foi ajudada por uma torre, na qual subiu para se atirar de lá de cima e se matar, já que a única maneira de entrar no reino dos mortos e encontrar Perséfone seria morrendo... mas a torre orienta Psiqué com relação ao que deve ou não fazer através dessa travessia. Psiqué pega a caixa, só que, antes de retornar, resolve abrir a caixa para ficar bonita para Eros, afinal ela quer que o amado a veja bela! Ao abri-la, Psiqué cai desfalecida e é salva por Eros, que a leva para o Olimpo e lá se casa com ela, imortalizando-a. Psiqué estava grávida e dá à luz a uma filha, Volúpia."
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Sobre o caminho percorrido por Psiqué para reencontrar Eros, Neumann comenta:
“Esse tipo de desenvolvimento em que a espontaneidade de Psiqué e sua energia vital orientadora dá o exantema e determina a vida do homem, é conhecido tanto na psicologia do ser humano criativo como na psicologia da individuação. Em todos esses processos, em que a psique dirige e o masculino obedece, o eu desiste do seu papel de líder e é orientado pela totalidade. No caso do desenvolvimento psíquico, no qual o não-eu, o Self, comprova ser o centro, trata-se de um processo de criação e de um processo de iniciação num só processo”
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EROS E PSIQUÊ
(Fernando Pessoa)




Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
O infante, que viria
De além do muro da estrada.
.Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado,
Por o que à Princesa vem.
.A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
.Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
.Mas cada um cumpre o destino –
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
.E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
-E, inda tonto do que houvera,
À cabeça em maresia,
Ergue a mão e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

16/11/2010

Matéria sobre Arteterapia

Matéria sobre Arteterapia puiblicada pelo site "Bolsa de Mulher", na qual colaborei como entrevistada. Copio abaixo o que você pode ler também no link:
http://www.bolsademulher.com/mundomelhor/arteterapia-103334-2.html

Arteterapia
por Crib Tanaka 05/11/2010

Imagine uma sessão de terapia onde o paciente usa fotos, colagens, música e imagens
Quando se fala em terapia, a primeira coisa que vem à cabeça é alguém deitado em um divã e um analista com um bloquinho de anotações. Pare agora para imaginar uma sessão de terapia onde o paciente usa fotos, colagens, música e imagens como discurso e objeto de análise. A Arteterapia funciona assim: a arte dá voz ao que se passa no interior de cada um.
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Princípios
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A Arteterapia é baseada na crença de que os recursos artístico-expressivos contribuem para a expressão e comunicação de sentimentos, pensamentos, vivências, tendo a vantagem de quebrar a barreira da palavra.
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"A linguagem simbólica, que é a da arte, é a mesma "falada" pelo inconsciente. Para algo fazer sentido é preciso que a dimensão simbólica seja acessada. Quando nos expressamos artisticamente, nos abrimos para um diálogo interior em que o inconsciente mostra o que está nos "bastidores" da psique, nos colocando em contato com sentimentos que estão na base de nossos comportamentos e atitudes, promovendo questionamentos e transformação. Arte ajuda a desenvolver potencialidades que nos tornam mais ricas e integradas", explica Patrícia Pinna Bernardo, coordenadora da Pós-graduação em Arteterapia e da Pós-graduação em Arteterapia Aplicada: saúde, artes, educação e organizações (UNIP).
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"A abordagem utiliza recursos como poesia, contos, música, escultura e jogos com foco no desenvolvimento humano ou terapêutico", explica Gislene Nunes Guimarães coordenadora da CENTRARTE - Centro de Estudos em Arteterapia, Psicologia e Educação/FAVI, em Porto Alegre.
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Como funciona?
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Aline Cabral, artesã e arteterapeuta, pontua: "A partir de análise das reuniões iniciais, onde conversamos com o grupo ou com o paciente, partimos para um diagnóstico do que deve ser trabalhado e sugerimos os métodos que poderão ser usados". Tudo varia de acordo com o contexto (hospital, instituição) e com o público (criança, idoso, adulto).
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Patrícia detalha o processo: "As primeiras atividades vão ajudar a pessoa a se sentir confortável e acolhida no espaço terapêutico (formação do vínculo), a se apresentar e olhar para o seu percurso de vida, a se perceber melhor (como ela se vê e se coloca no mundo), a entrar em contato com o que pede a sua atenção especial (o conflito atual). Ou seja, é feito o diagnóstico do que a pessoa precisa trabalhar em si. Depois o arteterapeuta propõe atividades que ajudem no trabalho dessas questões. A pessoa também pode sugerir as técnicas (pintura, modelagem, colagem etc)".
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Aline cita como exemplo o trabalho que desenvolveu em uma instituição voltada a recuperação de viciados: "Eles falavam da saudade que sentiam de suas origens, a atual falta de identidade e a busca por um local no mundo. Logo vimos que deveríamos trabalhar o elemento terra, de diferentes maneiras. A partir de um tema sugerido para cada sessão, um trabalho artístico era feito. Em um deles, levamos sementes, areia e usamos em colagens que representassem o que estavam sentindo. Em outro, trabalhamos contos e fomos para o Jardim Botânico, para que vivenciassem realmente características da terra: o cheiro, o contato, a natureza".
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Ela conta que transformações eram percebidas a cada sessão. Se antes eles chegavam receosos e muito desconfiados, aos poucos foram se soltando e se sensibilizando. "A arteterapia provoca uma reação, instiga. Nesse grupo, muitos tinham problema de cognição, não conseguiam formar uma frase inteira, uma linha de pensamento, em decorrência do uso excessivo de drogas. Conseguimos melhorar a autoestima deles pela arte, pelo trabalho manual. Era claro: a cada sessão, a confiança no nosso trabalho e neles mesmos melhorava e se traduzia no próprio asseio e cuidado com higiene e roupas", completa.
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Gislene conta que o trabalho mais marcante foi desenvolvido com um grupo de mulheres vítimas de violência e que, portanto, tinham dificuldade de estabelecer uma relação completa com o outro. "Durante 6 meses, em encontros semanais, foram trabalhadas a criança interior que não recebeu o afeto e cuidado esperado, a adolescente que muito cedo viu que o príncipe era um sapo, diante de uma gravidez precoce. Foi um grande desafio despertar do sono e da inércia esta mulher adulta, regatando o encantamento de ser responsável pelos seus sonhos e autora do enredo de uma nova história".
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As vantagens da arte como palavra
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A Arteterapia é indicada para crianças e famílias, além de atender indivíduos com deficiência ou perdas decorrentes de patologias. "No caso da terapia familiar, os recursos artístico-expressivos têm a vantagem de diminuir a distância existente entre crianças e adultos, com a criança dispondo de um meio de expressão daquilo que deseja comunicar no setting terapêutico", explica Maíra Bonafé Sei, diretora do conselho da Associação de Arteterapia do Estado de São Paulo.
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Para pacientes que estejam imobilizados ou não possam produzir com as mãos, são aplicados recursos como o músicas, expressão corporal, contos de fadas e mitos. Ou seja: tudo é adequado à limitação de cada um.
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Patrícia complementa: "Os recursos facilitam a expressão de sentimentos, podendo acelerar muitas vezes o processo terapêutico. Para pessoas que apresentem dificuldades em colocar em palavras o que estão vivenciando e sentindo, como em casos traumáticos (violência, abuso, luto), e entre crianças e adolescentes, para quem geralmente é mais fácil se expressar através da linguagem não-verbal, a Arteterapia oferece uma linguagem mais acessível, trazendo a dimensão do prazer aliada ao processo terapêutico, o que ajuda a tratar questões que, de outra forma, seriam extremamente dolorosas de trabalhar".
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Seria então a Arteterapia mais indicada para os introspectivos? Patricia responde: "Ela tanto ajuda pessoas mais introspectivas a se expressarem de forma mais fluída, quanto ajuda pessoas menos introspectivas a silenciarem a sua mente e ouvir mais o seu coração, o seu inconsciente, sendo indicada em ambos os casos".
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Serviço:
- Patrícia Pinna - http://www.patriciapinna.psc.br/
- CENTRARTE - Centro de Estudos em Arteterapia, Psicologia e Educação/FAVI, em Porto Alegre
- Aline Cabral - Artesã e arteterapeuta
- Associação de Arteterapia do Estado de São Paulo - http://www.aatesp.com.br/

"Mulheres, Homens, Sonhos..." (Thomas Roth)

 
Mulheres não dormem, sonham
Com homens que morrem de amor
Que trazem na mão uma espada
Na outra mão uma flor
Que tenha o vigor de um menino
E um olhar seguro de pai
Um coração puro e cristalino
E o destemor de um samurai...
Homens não sonham, morrem
Dormem num canto qualquer
Mas quando encontram uma morada
Nos braços de uma mulher
Estão pro que quer que aconteça
mesmo que apareça o dragão
Põem a perder a cabeça
Abrem a guarda e se dão...
Sonhos não morrem, dormem
Esperam o inverno passar
Se escondem nas trevas da alma
Até o sol retornar
Estão em paisagens distantes
Viajam bem dentro de nós
Dos pigmeus, dos gigantes
Dos índios e esquimós...
Mulheres não dormem, sonham...
Homens não sonham, morrem...
Sonhos não morrem, dormem...

Cores e formas no leite

Atividade realizada no ano passado, durante um curso que dei em meu consultório, filmada e clocada no You Tube pela querida aluna Miriam Neres (que atualmente cursa a Pós-graduação em Arteterapia da UNIP).

"A mente inconsciente é um oceano cheio de ricas formas de vida que, invisíveis a nossos olhos, nadam sob a superfície. No trabalho criativo, tentamos pescar um desses peixes (...) esses peixes, os pensamentos inconscientes, não flutuam passivamente "lá no fundo"; estão se movendo, crescendo e mudando..." (Stephen Nachmanovitch)